Toda a teorização do ipso (Instituto de Psicossomática de Paris) deixa bastante clara a ligação da psicossomática com a metapsicologia freudiana. Os analistas que trabalham com esses pacientes não estão em busca de uma causalidade relativa às doenças deles; preocupam-se com o funcionamento mental do paciente, levando em conta a economia psicossomática tal qual ela nos é apresentada pelos colegas que teorizam essa corrente de pensamento.
Entre os vários textos que li para escrever este artigo, um trabalho de Jean-Claude Rolland, psicanalista francês que tem um pensamento bastante original, me chamou particularmente a atenção. Extraí então uma passagem desse texto, que foi apresentado em 2007, em Barcelona, durante a 20ª Conferência da Federação Européia de Psicanálise, cujo tema central foi este: Tempo, Fora do Tempo. A passagem tem a ver com o pré-consciente e sua espessura, tão importantes na teoria psicossomática elaborada por Pierre Marty. Eis o trecho escolhido:
Faço justiça a Freud pelo seu esforço obstinado desde O esboço até Para além do princípio do prazer, no sentido de fundar uma teoria da memória que leva em conta a sua dupla submissão: ao real, do qual ela é o traço, e ao inconsciente, do qual é o contra-investimento. Assim, compreendemos melhor que a posição ocupada pelos componentes da memória no espaço do pré-consciente obedece mais à ordem do pulsional do que à ordem do temporal. O traço mnésico que se situa o mais longe do eu ou o mais profundamente dentro dele e o mais próximo da fronteira que o separa do inconsciente, esse traço não será o mais precoce nem o mais traumático, mas, sim, aquele que se revelará o mais apto a assegurar ao fantasma inconsciente uma representação substitutiva que possa prosseguir e proceder ao seu recalcamento.
Pensando nas estruturas que encontramos atualmente na nossa clínica habitual, acho que falamos menos de uma explicação da estrutura do fantasma e da pulsão do que dos efeitos desorganizadores de um excesso de pulsão: clivagens, somatizações que se deixam descobrir nas transferências por retorno ou, ainda, nas chamadas reações terapêuticas negativas. Nesses pacientes a negatividade está em ação. Devemos tentar colocar a negatividade deles a favor do processo de subjetivação, fazendo um trabalho concernente às clivagens. Defendemos então o seguinte paradoxo: o déficit existe, é o olhar que lançamos sobre ele que vai fazê-lo ser o que ele é ou, ao contrário, abrir-se em direção a uma potencialidade significativa.
O inconsciente, pela sua negatividade, ativa de um ponto donde não esperávamos o trabalho da memória. Como se nos lembrássemos para reencontrar aquilo que éramos e, igualmente, para encontrar aquilo que ainda não somos.
Investigando a aurora da vida psíquica, o relator J. Press diz que parece existir uma ressonância entre os trabalhos de Winnicott (O medo do desmoronamento) e aqueles de M. Fain.
Fain se situa numa perspectiva freudiana clássica, segundo a qual a atividade fantasmática nasce da negatividade, da ausência do objeto. Winnicott, ao contrário, assim como Ferenczi, opta por uma visão que se destaca daquela de M. Fain. Dito de outra maneira, a introjeção ferencziana, assim como o holding winnicottiano, acontecem na presença do objeto e levam em conta a qualidade de sua presença e seus efeitos sobre a criança. M. Fain sublinha os mecanismos de defesa precoces dos quais a criança lança mão, enquanto as descrições ferenczianas e winnicottianas colocam em evidência o estado de sofrimento traumático subjacente.
Segundo os colegas Marilia Aisenstein e Robert Asséo, psicanalistas psicossomáticos, é preciso, contudo, pensar em nuances do medo de desmoronamento, assim como da perda da representação nos pacientes psicossomáticos. Para ambos os autores, seria mais uma medida defensiva drástica, talvez mesmo um esvaziamento drástico.
O que nos parece bastante claro é que, com os pacientes psicossomáticos, a construção é particularmente solicitada na contratransferência. Inúmeras vezes eles têm necessidade de que seja feito um trabalho preliminar, no sentido de criar condições que lhes permitirão restabelecer alguns vínculos, com a esperança de que um trabalho analítico possa acontecer posteriormente.
A grande questão é tentar trabalhar a contratransferência com esse tipo de pacientes, refinando as intervenções do analista. Parece-me que um dos modos de fazer esse trabalho é através da percepção do processo psíquico em curso de ativação transferencial inconsciente, utilizado como revelador de certos aspectos não manifestos da própria transferência.
Ainda no relatório de J. Press, ele nos mostra também a importância da implicação contratransferencial do analista. Pensar seu interlocutor num movimento de fuga em relação a um núcleo impensável fuga que pode apenas se reproduzir no jogo transferencial-contratransferencial modifica os dados, altera o olhar que lançamos sobre ele e nos permite escutar a dimensão trágica daquilo que, sob um silêncio aparente, sob a aparente desorganização, para falar como Pierre Marty, acontece conosco na relação com esses pacientes.
Sabemos que toda inscrição psíquica comporta dois elementos: um de figurabilidade e outro puramente econômico, de repetição dessa passagem de fluxo.
Segundo André Green, a construção com esses pacientes psicossomáticos, construção dita silenciosa, tem como principal objetivo preencher as lacunas de um tecido psíquico com uma palavra que surge a posteriori para reconstruí-lo; a partir daí, revelam-se no analisando traços ou cicatrizes de suas primeiras experiências.
A boa construção é aquela que permite restabelecer as ligações, aquela que nos permite procurar ou conectar entre elas diferentes planos da vida psíquica, que traz à superfície psíquica sensações ou afetos em busca de sentido, aquela que finalmente é geradora de um trabalho de simbolização feito pelo próprio sujeito, não necessariamente aquela que é apenas confirmada pelo analisando.
Por outro lado, em seu relatório, Michele Bertrand nos diz que atualmente o termo construção é quase sempre usado no plural: construção pontual no curso de uma análise, construção de um espaço analítico, construções narrativas, co-construção de um setting analítico etc. Segundo a autora, todas essas construções são pertinentes a um trabalho psicanalítico.
A distinção entre conflito e impasse feita por J. Press em seu relatório nos ajuda a pensar que o equilíbrio psicossomático tem a ver com a especificidade de cada paciente. Segundo Press, o paciente entraria em ressonância com os mecanismos precoces de perda de suas capacidades representativas. É essa constelação, específica a cada um, que despertará o medo de desmoronamento existente em todos nós. Dessa maneira, temos de fazer uma reflexão sobre se os impasses podem ou não se manifestar pela depressão essencial e pela vida operatória. Isso nos obriga a pensar na nossa prática clínica, não nos deixando aprisionar em formulações teóricas, e como conseqüência exige que façamos um trabalho artesanal com cada paciente.
J. Press nos mostra, no desenvolvimento de seu relatório, que devemos viver, no jogo transfererencial-contratransferencial com nossos pacientes, as tramas das suas escolhas de vida.
A título de conclusão, farei uma citação de Jean-Claude Rolland: O alvo da cura não é reduzi-la ao tempo real comum, mas, sim, propiciar aquilo que é necessário ao tratamento do inconsciente e de seus rejetons [brotos] patogênicos, o que, aliás, acontece sempre com dor e nostalgia. Segundo Rolland, gostamos de viver infinitamente aquilo que vivemos passageiramente. Isso seria o último resort do nosso incurável desejo de eternidade.
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