sábado, 10 de novembro de 2012

Freud está de volta Parte II



Juntos, esses pesquisadores estão desenvolvendo o que Kandel chama de "novos parâmetros intelectuais para a psiquiatria". Dentro desses parâmetros, a ampla organização da mente esboçada por Freud parece destinada a funcionar como a teoria da evolução de Darwin em relação à genética molecular - um modelo ao qual novos detalhes vão se ajustando. Ao mesmo tempo, neurocientistas revelam provas de algumas das teorias de Freud e desvendam os mecanismos que estão por trás dos processos mentais descritos por ele. 


Motivação Inconsciente
Quando Freud introduziu a noção central de que a maioria dos processos mentais que determinam nossos pensamentos, sentimentos e desejos acontece inconscientemente, a idéia foi rejeitada. Mas descobertas atuais confirmam a existência e o papel essencial dos processos mentais inconscientes. Um exemplo é que o comportamento de pacientes incapazes de lembrar de acontecimentos passados por causa de danos a estruturas que armazenam lembranças no cérebro é claramente influenciado pelos fatos "esquecidos". Os neurocientistas cognitivos analisam casos assim, determinando sistemas de memória diferentes, que processam a informação "explicitamente" (conscientemente) ou "implicitamente" (inconscientemente). Freud havia dividido a memória da mesma forma.
Os neurocientistas também identificaram sistemas de memória que controlam o aprendizado emocional. Em 1996, na Universidade de Nova York, LeDoux demonstrou a existência, sob o córtex consciente, de uma via neuronal que conecta informações de percepção com estruturas primitivas do cérebro responsáveis pela geração de reações de medo. Como essa via atravessa o hipocampo - que gera memórias conscientes -, acontecimentos do presente desencadeiam lembranças emocionalmente importantes, provocando sensações conscientes que parecem irracionais, como "homens de barba me dão arrepios".

A neurociência mostrou que as principais estruturas cerebrais essenciais para a formação de memórias conscientes não são funcionais durante os dois primeiros anos de vida, explicando o que Freud chamou de amnésia infantil. Como supôs Freud, não é que tenhamos esquecido nossas lembranças mais antigas; simplesmente não conseguimos trazê-las à consciência. Mas essa incapacidade não as impede de afetar os sentimentos e o comportamento adultos. Seria difícil encontrar um neurobiólogo que não concorde que as experiências da primeira infância, principalmente entre mãe e bebê, influenciam o padrão das conexões cerebrais de modo a moldar nossa personalidade e saúde mental futuras. Apesar disso, não é possível lembrar dessas experiências conscientemente. Fica cada vez mais claro que boa parte de nossa atividade mental é motivada pelo inconsciente.
Repressão Justificada
Mesmo que sejamos fundamentalmente guiados por pensamentos inconscientes, isso não prova a afirmação de Freud de que reprimimos informações desagradáveis por vontade própria. No entanto, começam a se acumular estudos que apóiam essa noção. O mais famoso deles foi feito em 1994 pelo neurologista Ramachandran, da Universidade da Califórnia em San Diego, com pacientes que sofriam de "anosognosia". Danos na região parietal direita do cérebro dessas pessoas fazem com que não percebam que possuem problemas físicos graves, como um membro paralisado. Depois de ativar artificialmente o hemisfério direito de uma paciente, Ramachandran observou que ela percebeu que seu braço esquerdo estava paralisado - e estava assim desde que ela havia sofrido um derrame, oito dias antes. Ela era capaz de reconhecer a ausência e tinha registrado inconscientemente esso fato nos oito dias anteriores, apesar de suas negativas conscientes de que houvesse algo errado.
Quando o efeito da estimulação acabou, a mulher não apenas voltou a acreditar que seu braço estava normal, mas também esqueceu a parte da entrevista em que tinha percebido que o braço estava paralisado, apesar de lembrar dos mínimos detalhes da conversa. Ramachandran concluiu: "A extraordinária implicação teórica dessas observações é que as lembranças realmente podem ser seletivamente reprimidas. Ver essa paciente me convenceu, pela primeira vez, da realidade do fenômeno da repressão que compõe a pedra fundamental da teoria psicanalítica clássica".

Assim como os pacientes com o "cérebro dividido", cujos hemisférios permanecem sem ligação entre si, os pacientes de anosognosia abstraem fatos indesejados, dando explicações plausíveis, mas inventadas, sobre ações motivadas pelo inconsciente. O hemisfério esquerdo emprega claramente os "mecanismos de defesa" freudianos, diz Ramachandran.

Fenômenos análogos também vêm sendo demonstrados em pessoas com cérebros intactos. Como disse o neuropsicólogo Martin A. Conway, da Universidade Durham, na Inglaterra, em comentário publicado na Nature em 2001, se efeitos significativos de repressão podem ser produzidos em pessoas normais num cenário inocente de laboratório, imagine só o tamanho dos efeitos produzidos pelo turbilhão emocional das situações traumáticas da vida real. 

Freud foi mais além. Para ele, não somente grande parte de nossa atividade mental é inconsciente e vive em negação, mas a parte reprimida do inconsciente opera de acordo com um princípio diferente do "princípio de realidade" que governa o ego consciente. Esse tipo de pensamento inconsciente está ligado ao desejo e ignora tanto as leis da lógica quanto o tempo.
Se Freud está certo, danos a estruturas inibidoras do cérebro (a morada do ego "repressor") liberariam formas irracionais, ligadas ao desejo, de funções mentais. É exatamente isso que se observa em pacientes com danos na região límbica frontal, que controla os aspectos essenciais da autoconsciência. Os pacientes apresentam uma síndrome conhecida como psicose de Korsakoff: não percebem que têm amnésia e preenchem as lacunas da memória com histórias inventadas, as confabulações.

A neuropsicóloga da Durham, Aikatereni Fotopoulou, estudou um paciente desse tipo em meu laboratório. O homem não conseguia se lembrar, em nas sessões de 50 minutos em minha sala, durante 12 dias consecutivos, que já me conhecia e que havia se submetido a uma operação para retirar um tumor dos seus lobos frontais, o que causava a amnésia. Para ele, não havia nada de errado com sua saúde. Quando questionado sobre a cicatriz na cabeça, ele confabulava explicações absolutamente improváveis: que tinha sofrido uma cirurgia odontológica, ou uma operação de ponte de safena. Ele realmente tinha passado por esses procedimentos - anos antes.

Da mesma forma, quando questionado sobre quem eu era e o que ele fazia em meu laboratório, dizia que eu era um cirurgião dentista, um companheiro de bebida, um cliente em consulta profissional, um colega de time de um esporte que não praticava havia décadas ou um mecânico que estava consertando um de seus vários carros esporte (que ele não possuía). Seu comportamento era coerente com essas falsas crenças: ele olhava para a cerveja sobre a mesa ou para o carro através da janela. 




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