No outro dia, mais ou menos na mesma hora
o rapaz voltou a bater à porta do velho
Américo. Havia pensado a noite inteira.
Quase pensou em desistir, mas um estalo na
mente o fez mudar de ideia e continuar a
busca. “Acho que descobrir o que é filosofia”.
Pensou.
- Boa tarde, Filho. Que surpresa.
- Seu Américo, acho que descobri o que é
filosofia!
O velho olhou meio cético e foi entrando
na casa arrastando as sandálias.
- Deixe o caderno lá fora – pediu o
filósofo já de costas.
Sentaram-se ambos novamente próximo à
janela. O velho pôs-se em atitude de escuta.
- Olha como o senhor mostrou-me uma
janela com uma paisagem e eu estava
querendo aprender filosofia, conclui que
filosofar é contemplar as coisas belas da
natureza, sentir estas coisas e
interiorizá-las. É um tipo de contemplação!
O velho ficou sério, impassível, fitando
o rosto sorridente do jovem. Passados alguns
segundos o rapaz perguntou: - Acertei?
- Não estamos em um jogo de adivinhações.
- Mas não é isso que é a filosofia? –
perguntou preocupado.
O velho Américo sorriu. O jovem animou-se
e sorriu também. De súbito, o velho ficou
sério novamente e disse:
Não. Não é isso. – Levantou-se e foi
sentar-se à escrivaninha. O sorriso do jovem foi se
desfazendo aos poucos e a raiva tomou
conta de seu corpo.
- Não dá pra dizer logo o que é?
O velho permaneceu calado folheando os
manuscritos. O rapaz estava irritado ao
extremo e teve vontade de ir embora. Mas
insistiu em ficar, pois era persistente em
tudo o que fazia. Voltou-se para a janela
e pôs-se a fixá-la com os olhos. Estava igual.
As árvores com a coloração branca do lado
direito da folhagem, o rio com a correnteza
forte, a relva molhada e a chuvinha que
não parava de cair. Não conseguia ver mais
nada além disso.
- Tenho que tentar modificar a paisagem
com pensamento? É isso?
- Não – respondeu o velho tranqüilo.
Novamente a janela e a paisagem. Cansado
daquilo, o rapaz começou a observar as
fotos dependuradas pelas paredes da sala.
Em uma delas, um jovem, provavelmente o
próprio Américo, falava na rua para um
grupo de pessoas, aparentemente operários.
Em outra foto ele e uma mulher se
beijavam. E ainda outra, aparecia ele sentado, já
com mais idade, em uma assembléia com
inúmeras pessoas.
A última foto que o rapaz observou
mostrava quatro rapazes, dentre eles um que
parecia o velho filósofo, em sua
juventude, brindando com copos de cerveja; nesta
todos sorriam.
Tendo passado algumas horas, o rapaz foi
tomado por uma súbita curiosidade. “Por
que o lado direito das árvores possui
essa coloração branca? “Por que este rio tem
essa correnteza tão forte?” “Por que esta
chuvinha fina não pára?” Fez cada uma
destas perguntas ao filósofo. A resposta
foi o silêncio e um sorriso que o jovem não
pode perceber. “É um começo”, sussurrou
Américo para si mesmo, “é um começo...” O
rapaz não entendeu nada e zangou-se.
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