No dia seguinte, repetiu-se a mesma
coisa. O rapaz era insistente. A curiosidade para
ele era como um vício difícil de
abandonar.
- Posso pegar um livro, seu Américo?
Ainda não.
- Mas tem vários sobre filosofia aí,
porque eu não posso ler?
- Você me pediu uma coisa. Queria
aprender filosofia. Se quer aprender com os livros,
basta comprá-los.
O rapaz desconcertou-se. Na sala a mesma
cena dos dias anteriores. O jovem em
frente à janela e o velho na escrivaninha
praticamente não se comunicava. Na cabeça
do rapaz pairavam as dúvidas do dia
anterior. “Por que a cor branca do lado direito das
árvores? Por que aquela correnteza forte?
Por que a chuvinha que não pára?”... “Por
que a cor branca nas árvores, a
correnteza, a chuvinha? Cada vez mais seus olhos se
prendiam na janela. “Por que a cor
branca? Por que a correnteza? Por que a
chuvinha?”... “A cor branca, a correnteza
a chuvinha...” Aquelas dúvidas na cabeça, a
janela imóvel postando-se entre ele e a
imponência da paisagem e o silêncio
enigmático do velho deixavam o rapaz
extremamente irritado e incomodado. “Paisagem
com árvores com cor branca por quê? Por
que correnteza forte e chuvinha que não
pára?”
E olhava a janela irritado. “Cor branca
correnteza... chuvinha...” “Por que a paisagem é
assim?” “Cor branca, correnteza e
chuvinha. A janela... a paisagem. O velho não fala
nada...” Sua mente estava a ponto de se
desorientar. Suas perguntas ribombavam
como vozes que ecoavam em seu cérebro:
“Por que a cor branca nas árvores? Por que
a correnteza forte do rio? Por que a
chuva fina não cessa? O jovem ia se agastando,
mas as questões permaneciam, como se
tivessem vida própria. “Por que a cor branca,
por que correnteza forte, por que
chuvinha incessante... Por quê? Cor branca...”
Tomado por uma raiva súbita e explosiva
que o fez agir quase que inconscientemente,
o rapaz pegou um banquinho que estava na
sala e atirou-o contra o vidro da janela
com toda a força. Os estilhaços se
espalharam por dentro e por fora da casa. Não
sobrou quase nada da vidraça. O barulho
chamou a atenção do velho que, após um
sobressalto, voltou-se calmamente para
trás. Viu o jovem de pé, arfando, com o
desespero estampado em seu semblante. O
velho fitava-o enternecido, com um
aspecto paternal. Sua feição confundiu
ainda mais o jovem, que esperava algum tipo
de repreensão.
- Seu Américo, desculpa... Eu não sei o
que dizer, meu Deus... – Vou dar um jeito de
limpar... É que...
O velho sorriu mais uma vez.
- Não vai até lá? Perguntou o filósofo.
O rapaz ficou confuso.
Vá, vá olhar.
O visitante titubeou, mas foi até a
janela destruída. Seus tênis fizeram estalar alguns
cacos pelo chão. Parou, olhou novamente o
velho e depois enfiou cuidadosamente a
cabeça para fora da janela, evitando
encostar nos cacos de vidro restantes.
A visão que teve foi como o ascender das
luzes em uma festa surpresa, onde a
curiosidade proporcionada pela escuridão
é satisfeita pela aparição do bolo, dos
parentes, dos amigos, dos enfeites, etc.
A paisagem que o jovem via antes através do
vidro pareceu esticar-se ao infinito,
possibilitando que ele contemplasse as respostas
para aqueles seus questionamentos.
Do lado contrário à correnteza do rio,
bem próximo da casa, uma bela cachoeira
lançava suas águas sobre algumas pedras
mais salientes da pequena montanha. Com
a força da queda, a água espirrava longe
e molhava, como uma chuva fina, a relva nas
imediações. “Era por isso a correnteza
forte! E a chuva não é chuva, são respingos!
Por isso não cessa!” A descoberta fez o
jovem regozijar-se.
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