quarta-feira, 21 de novembro de 2012

O Outro Psicanalítico



O OUTRO
O Outro, com O maiúsculo, não é uma pessoa individual (embora o Outro freqüentemente seja projetado em indivíduos), nem é uma espécie de universal, como "O outro generalizado" de Mead (1925, p. 193). Para Lacan (1956) o Outro é um campo, "o próprio fundamento da intersubjetividade" (p. 35), marcando o lugar no qual estrutura e significado se tornam possíveis. Lacan ilustra isso com uma anedota contada por Freud: "Por que você está mentindo para mim?", pergunta aflito um dos personagens. "Sim, por que você está mentindo para mim, dizendo que vai para a Cracóvia, de modo que eu pense que você vai para Lemberg, quando na realidade você está indo para a Cracóvia? (p. 36; Freud 1905, p. 115). Para que essa anedota tenha sentido, o ouvinte tem que ir além das próprias palavras, além de seu significado literal, e também além dos próprios personagens que falam, passando a uma outra dimensão ou posição além das palavras e dos personagens que falam, a um campo que estrutura de maneira significativa as palavras e os personagens que falam. Compreendendo essa anedota afirmamos o estatuto do Outro não como uma outra pessoa numa relação Eu-Tu, mas o Outro como o terceiro estrutural que dá perspectiva a qualquer relação Eu-Tu, o Outro como lugar potencial para situar-se e julgar a verdade de qualquer contrato de duas partes. Lacan lembra-nos de que o próprio fato de que é possível mentir é uma afirmação dessa terceira posição, porquanto mentir exige que aquele que fala leve em conta a perspectiva da verdade, a perspectiva proporcionada pelo Outro. Por essa razão Lacan (1977) refere-se ao Outro como "fiador da Boa-Fé" (p. 173) e "testemunha da Verdade" (p. 305).
Essa referência ao Outro ressoa com o emprego que Freud fez da expressão de Fechner, ein anderer Schauplatz (uma outra cena), para descrever onde os sonhos ocorrem e como referência geral ao inconsciente (Freud 1900a, p. 48; 1900b, p. 50-51). Como "discurso do Outro" que o transcende, o inconsciente articula aquilo que é recebido de outro lugar e aquilo que é recebido primariamente é o "desejo do Outro". O desejo, como veremos, surge num contexto intersubjetivo estruturado pelo Outro, pelo campo da linguagem e do inconsciente. Lacan (1977) escreve que ë "como desejo do Outro que o desejo do homem encontra uma forma" (p. 311), isto é, "é qua [enquanto] outro que ele deseja" (p. 312). Na matriz da relação mãe-bebê, o desejo do indivíduo encontra sua forma, torna-se inconscientemente estruturado pelo - e como - desejo de um outro, e essa identificação do desejo do indivíduo com o de um outro nunca poderá ser completamente dissolvida, é o dinamismo expressado em repetição, e persiste conforme é estruturado pelos significantes.
Lacan ilustra a descoberta freudiana por meio de círculos excêntricos, círculos cujos centros não coincidem e que não podem ser englobados e unificados por um círculo maior com um único centro. Ele adverte que "se ignorarmos a radical excentricidade do self em relação a si mesmo com a qual o homem é confrontado, em outras palavras, a verdade descoberta por Freud, estaremos falsificando tanto a ordem quanto os métodos da mediação psicanalítica" (p. 171). Não podemos mediar essa divisão como analistas se acreditamos que o paciente pode tornar-se uma "pessoa total" ou um "self completo". Lacan se opõe "a qualquer referência a totalidade no indivíduo" (p. 80), porque o in-divíduo não pode ser concebido dada a divisão introduzida pelo "sujeito do inconsciente" (pp. 128, 299). Assim Lacan insiste em que a "radical heteronomia que a descoberta de Freud mostra formando uma lacuna dentro do homem nunca mais poderá ser coberta sem que o que quer que seja empregado para esconder isso seja profundamente desonesto" (p. 172).

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